‘Vidas Negras Importam’: enredo da Vitória-Régia leva luta e empoderamento para Carnaval em 2022 no AM

G.R.E.S. Vitória Régia cantará a luta e resistência do negro no Carnaval em 2022. (Arte/ G.R.E.S. Vitória Régia)

26 de setembro de 2021

15:09

Marcela Leiros – Da Cenarium

MANAUS – O Carnaval de 2022 já está batendo na porta e escolas de samba de Manaus continuam na missão de levar à Avenida do Samba da capital amazonense temas de relevância social. Ano que vem, o Grêmio Recreativo Escola de Samba (G.R.E.S) Vitória-Régia cantará a luta e resistência dos negros que se libertam, diariamente, do passado escravagista e marcam a história. Com o título “Vidas Negras Importam”, a avenida do Centro de Convenções Professor Gilberto Mestrinho, o Sambódromo, receberá o canto do orgulho do povo negro.

O enredo foi composto por Murilo Rayol, Eric Souza, Ciganarey, Divoney Perasa, João Bosco Batista, Rodrigo Padilha e Betinho Filho e mostrará ainda a cultura e os nomes de grandes brasileiros que representam o empoderamento dos negros que “arrebentaram os grilhões, abandonaram os porões e o choro do cativeiro”. Pelé, Zumbi, Jamelão, Mandela e Rainha Quelé são alguns dos nomes destacados como símbolos de representatividade de vida negras que importam.

O presidente da G.R.E.S. Vitória-Régia, Didi Redman, explicou à CENARIUM que o intuito do enredo não é falar sobre sofrimento. “Nós não estamos falando da escravidão, do sofrimento do negro, nós estamos falando do negro que fez o seu destaque na luta da igualdade racial. Queremos enaltecer a mentalidade que a gente tem, o negro tem a mesma mentalidade do branco, somos todos iguais”, destacou Redman.

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O samba que já é, por si só, um gênero musical brasileiro que se originou entre as comunidades afro-brasileiras urbanas do País, no século 20, também cantará a fé, por meio dos orixás Iemanjá e Ogum, e as manifestações culturais como congada e maracatu.

O compositor

O empresário da construção civil Murilo Rayol, um dos compositores do samba-enredo de 2022 da G.R.E.S. Vitória-Régia, morreu nesse sábado, 25, aos 72 anos, vítima de um infarto. Murilo tinha uma forte ligação com a Cultura Popular e era grande colaborador do Carnaval amazonense. Em 2019, teve sua história contada pela G.R.E.S. A Grande Família, da qual era torcedor, com o enredo “Eu só quero é ser feliz”, conquistando o vice-campeonato. Em 2020, a agremiação da zona Leste de Manaus, defendeu o enredo “Sou manauara – Há 350 anos sentindo orgulho do meu chão”, também de Murilo Rayol.

Didi Redman ainda lembrou da amizade com Rayol, que durou longos 46 anos, e da importância do amigo para todo o cenário do samba local. “O Murilo era uma peça principal como eu vejo. Era um anjo encantado, um camarada que quando a gente ficava com raiva de alguma coisa, ele chegava e acalentava todo mundo, com as brincadeiras, as palavras. Era um anjo de Deus apaziguador que nos representou no mundo do Carnaval, ficamos muito sentidos com essa perda e o Carnaval em si perde”, contou, emocionado.

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Veja a letra do enredo:

Vidas Negras Importam

Os negros arrebentaram os grilhões,
abandonaram os porões
e o choro do cativeiro.

Sangue, suor e labuta,
fé pra seguir na luta,
vitória forjada a fogo.

Herança dos ancestrais,
congada e maracatú,
no balé dos canaviais,
o negro chorou, chorou,
hoje não chora mais porque não tem mais senhor.

Bordou em pedras os sonhos por mãos aleijadas,
cadeira cativa, a mais cobiçada
da academia Assis apossou,
um rei tal qual liberdade com hora marcada
ouro nos cabelos, galanga ocultava
em terras douradas, de Minas Gerais.

Venham ver, a vossa coroação
no teatro e na ciência, o samba devoção.
Ôôô o negro se consagrou,
na fé dos seus orixás
nenhum soluçar de dor (2x)

Mergulhei, no verde e rosa de Mangueira,
onde a poesia atravessou fronteiras.

Mestre Cartola e o grande Jamelão,
valeu Zumbi,
seu canto ecoou, é inspiração
um brado de amor.

Ogum, Yemanjá, Uirapuru,
marias, josés, rainhas quelés,
um rei que parou uma guerra, com a bola nos pés (é o rei Pelé).

Me abraça irmão, povo varonil
Praça Quatorze é, quilombo brasil.

Todo preto, quer respeito e dignidade (sua liberdade),
sonhei que a paz repousava entre nós
Nestor Nascimento era a voz
que clamava por mais consciência.

Exemplo de amor e carinho, tias Lourdinha e Lindoca,
axé saravá, pois vidas negras importam.

Sou quilombo, sou Mandela,
povo preto se empodera.
Sou Baobá, raiz africana,
sou Vitória Régia, o berço do samba. (2x)