Violência contra LGBTQIAP+ no Amazonas é reflexo da ausência de políticas públicas, revela estudo

Bandeira LGBTQIA+ (Divulgação)

01 de julho de 2022

16:07

Eliziane Paiva – Da Agência Amazônia

MANAUS — Em contagem inédita feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) revelou haver, no Brasil, cerca de 2,9 milhões de homossexuais e bissexuais e, de acordo com o instituto, este foi o número de pessoas que se sentiram confortáveis, durante o levantamento, para se autoidentificarem como tal.

Os estigmas e preconceitos vividos no País são fatores que influenciam no comportamento da comunidade LGBTQIAP+ ao ter cautela em expor a orientação sexual, além disso, há, também, a ineficiência constitucional no amparo de homossexuais e bissexuais, como mostra um estudo sobre as barreiras enfrentadas pela população LGBTQIAP+ e o reconhecimento da homotransfobia como racismo.

A população LGBTQIAP+ no Brasil, de acordo com o estudo feito pelo juiz eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas (TRE-AM) Saulo Góes Pinto, passou por uma evolução histórica no contexto mundial e nacional. O estudo aborda “as dificuldades que a população [LGBTQIAP+] sofre e também a conquista de cada um dos direitos que foram adquiridos, na maioria das vezes, por decisões judiciais”, relata Saulo sobre a temática do estudo.

A análise aborda a vulnerabilidade da comunidade e o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) quanto à legislação que pune atitudes tidas como ‘odiosas’ à orientação sexual ou à identidade de gênero. No estudo, são considerados a ocorrência de homicídios motivados pela homofobia no Amazonas, mas especificamente em Manaus e Parintins, para identificar os motivos da não apuração correta de crimes e as dificuldades de famílias de vítimas na obtenção de uma resposta da Justiça.

Na Semana Internacional do Orgulho LGBTQIAP+, o magistrado explica que o município de Parintins foi escolhido pela sua relevância cultural e impacto social. “Em 2018, fui juiz em Parintins e tive contato com essa realidade, pelo Festival de Parintins, onde o número de homossexuais é maioria, e como consequência a violência é maior nessa comunidade”, ao fazer referência ao festival folclórico de boi-bumbá da cidade, que é reforçado pelo número de turistas que chegam para conhecer a festa, sendo os homossexuais maioria, pois enxergam como uma oportunidade para se expressar artisticamente.

Bandeira LGBTQIAP+ (Reprodução)

Em entrevista à AGÊNCIA AMAZÔNIA, o magistrado informa ainda que as maiores barreiras começam nas delegacias, onde o homossexual não tem acolhimento ao denunciar as agressões. “A população (LGBTQIAP+) encontra diversas barreiras, e começa nas delegacias, que não registram o contexto homofóbico. Manaus, por exemplo, tem um grande número de violência contra a comunidade”, enfatiza.

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Se não houver o efetivo registro dessa violência pelas secretarias públicas, o juiz ressalta que essa violência não será combatida por meio de investimentos sociais. “É necessário reconhecer que essa violência existe, reconhecer que essa população (LGBTQIAP+) existe para o combate a essa discriminação. Se o Estado não reconhece que essa violência existe, não existe por que combatê-la”, finaliza Saulo.

De acordo com a tabela do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, nos registros de injúria racial, racismo e racismo por homofobia ou transfobia realizado nos Estados e Distrito Federal, em 2020 e 2021, o Amazonas consta como ‘informação não disponível’, ao se referir ao quantitativo de pessoas LGBTQIAP+ incluídas como vítimas nos registros de racismo (Lei 7.716/1989).

Legislação

De acordo com o estudo, a homofobia e a transfobia não se encontram na legislação penal brasileira, ao contrário de outros tipos de preconceito. Uma das principais reivindicações de militantes LGBTQIAP+ no País, a criminalização destas condutas chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de duas ações, movidas pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transgêneros e Intersexos (ABGLT) e pelo Partido Popular Socialista (PPS), em 2012 e 2013, respectivamente.

As ações aduziam que o artigo 5º da Constituição Federal de 1988 determina que qualquer “discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” seja punida – e que a Lei de Racismo mostra que se optou por fazer isso criminalmente.

Para a pesquisa do juiz, ao não legislar sobre a homofobia e a transfobia, deputados e senadores estariam se omitindo inconstitucionalmente, por “pura e simples má vontade institucional”.

As ações pediam, também, que o STF fixasse prazo para ser criada a lei e que, em caso de descumprimento ou se fosse considerado desnecessário, a própria Corte efetuasse a regulamentação temporária à questão até que haja uma decisão do Congresso, porém não ficou estipulado data limite para a criação das leis.

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Relato LGBTQIAP+

A externalização da homofobia vem ganhado força nos últimos anos e, consequentemente, esse fenômeno pode ter sido motivado pelo ódio disseminado em redes sociais e internet, especialmente pela ausência de punições específicas. Além da internet, o cenário político atual, por muitas vezes, deu voz a políticos com claras manifestações homofóbicas.

A AGÊNCIA AMAZÔNIA ouviu o relato da psicóloga Juliana [que preferiu não revelar o sobrenome], 34, que há três anos passou por discriminação explícita no condomínio onde morava. “No final de 2019, estava com minha namorada na piscina e estávamos trocando carinhos e beijos, nada que um casal hétero não pudesse estar fazendo ali com naturalidade. Em determinado momento, percebi olhares preconceituosos de outros condôminos que desceram para área da piscina, até que o síndico veio conversar comigo, enquanto ainda estávamos na piscina, falando que ali não era o local adequado para nos tratarmos daquele jeito”, descreveu a psicóloga.

Violência LGBTQIAP+ é reflexo da ausência de políticas públicas, revela estudo. (Paulo Pinto/Fotos Públicas)

Juliana relata estar exercendo seu direito de demonstração de afeto quando ouviu do síndico que “deveriam ir para um quarto”, e completou ao dizer que sentiu grande constrangimento e certa humilhação, deixando o local logo em seguida.

Na semana seguinte, a psicóloga disse que solicitou formalmente um requerimento junto à administração do condomínio para obter as imagens das câmeras de segurança, mas as mesmas não me foram concedidas. “Quando fui atrás de uma advogada, o backup daquele dia já não existia mais”, informou.

A entrevistada disse ainda ter conhecimento sobre a jurisprudência do STF que equipara homofobia a racismo e que não pretendia entrar com um processo, tendo em vista que imaginou que sofreria ainda mais preconceito e julgamentos minimizando o problema na delegacia e no Judiciário. Entretanto, queria as imagens da câmera apenas para se proteger em caso de nova violência.

“É sobre isso que falamos quando exigimos igualdade, não é sobre ‘discordarem’ da nossa existência, mas ‘tolerarem’ o fato de estarmos ali no sentido de não empreenderem nenhuma violência física sobre nós, mas sim respeitarem que somos casais como qualquer outro e merecemos o respeito de demonstrarmos afeto publicamente ou não, como qualquer outro”, desabafa.

Lei do Racismo

Além disso, no âmbito do Poder Judiciário, o STF decidiu, em junho de 2019, criminalizar a homofobia e a transfobia em casos de agressões contra pessoas LGBTQIAP+ que fossem enquadrados como crime de racismo até que uma norma específica fosse aprovada pelo Congresso Nacional.

Desde então, tal conduta passou a ser punida pela Lei de nº 7.716/1989, que prevê os crimes de discriminação ou preconceito por “raça, cor, etnia, religião e procedência nacional”. A pena para o crime é de até cinco anos de prisão.