‘Xadrez social’ no Madeira

Tese de doutorado se transformou no livro ‘Mundos do Trabalho e Conflitos Sociais no Rio Madeira’, lançado em maio deste ano, pela editora Valer (Ricardo Oliveira/Cenarium)

27 de julho de 2021

13:07

Paulo Bahia – Especial para Cenarium

MANAUS – Um olhar sobre os conflitos e relações entre diferentes agentes sociais da região do Rio Madeira, no Amazonas, como seringueiros, indígenas e moradores dos beiradões no final do século XIX e início do século XX. O assunto é tema da tese de doutorado do historiador professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Davi Avelino Leal, e se transformou no livro ‘Mundos do Trabalho e Conflitos Sociais no Rio Madeira’, lançado em maio deste ano, pela editora Valer.

Por meio de pesquisas documentais, o pesquisador fez uma viagem por localidades, freguesias e povoados, entre os anos de 1861 e 1932, com uma visão que vai além da vitimização das populações tradicionais pela exploração de terras pelo “branco”, considerando que os povos da Amazônia não estão meramente passivos diante das transformações sociais, culturais e econômicas.

“Não é um mundo entre mocinhos e bandidos. Mas, é um mundo de relações sociais extremamente complexas”, Davi Avelino Leal, historiador e professor da Ufam.

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Historiador Davi Avelino Leal realizou pesquisas em documentos históricos de um período de 70 anos, que compreendem o final do século XIX e início do século XX (Ricardo Oliveira/Cenarium)

Davi Avelino analisou documentos históricos em Manaus e nos municípios de Novo Aripuanã e Humaitá, investigando a relação social entre esses personagens em um período de 70 anos. Por ser um tema clássico dos estudiosos da história Amazônica, o pesquisador reforçou a análise pela perspectiva dos povos indígenas e tradicionais, no período da explosão de demanda internacional da borracha natural da Amazônia.

Com o crescimento da economia em regiões de seringais, como nos rios Purus, Juruá e Madeira, a corrida de comerciantes para se fixarem nessas localidades cresceu exponencialmente, ocasionando enfrentamentos entre seringueiros, indígenas e moradores não índios.

As populações tiveram respostas diferenciadas nesse processo de ocupação porque havia povos distintos ocupando uma mesma região. “Eles não foram passivos diante desse universo novo de profundas transformações pelas quais passaram. Eles agenciaram, resistiram a esse mundo, mas também se apropriaram desse mundo tentando, muitas vezes, tirar vantagem, readaptar suas vidas, reconfigurar, ressignificar esse universo do mundo do trabalho dentro de uma dimensão conflitiva”, disse o pesquisador.

De acordo com Avelino, a ideia da agência se refere ao fato de que os índios se apropriam também do mundo dos brancos. Eles não são vítimas, não são apenas passivos desse mundo, também elaboram estratégias de apreender e de se apropriar desse outro mundo branco. “Chamamos de agenciar porque nem tudo é resistência, nem tudo é se colocar contra, eles também fazem parte desse mundo, mas vão se apropriando, ressignificando. É essa a ideia de agência”, diz Avelino.

A obra mostra a diferente relação dos povos Parintintin, Mura e Munduruku com os seringueiros e donos de castanhais. A reação dos Parintintin, da região do alto e médio Solimões, por exemplo, foi de não aceitação da usurpação de terras por parte dos seringueiros, segundo o autor. O livro mostra como eles resistiram e, durante, muito tempo atacavam, matavam e também sofriam com as chamadas ‘correrias’, expedições armadas organizadas por brancos para exterminar determinada comunidade.

Apesar do conflito com os Parintintin, a resposta dos Mura e dos Muduruku foi diferente. Eles se inseriram no mundo do trabalho do seringal, atuando como seringalistas, extraindo a borracha, além de também participarem de expedições de ataque aos Parintintin, que estavam resistindo à guerra. A obra destaca que antes da chegada do homem branco já havia conflitos interétnicos, onde os proprietários de terras se aproveitavam para se fortalecerem, uma estratégia do Brasil colonial.

“A nossa preocupação enquanto pesquisador é também tentar entender de que forma os povos indígenas se apropriam desse outro mundo. Se não a gente fica só com aquela visão de que ele foi só vítima, de que não tinham ação, não agenciavam. Os índios também se apropriavam disso para se fortalecer para alcançar recursos, se articulavam politicamente. Isso entra em um jogo complexo de leitura de mundo. Não é um mundo entre mocinhos e bandidos. Mas, é um mundo de relações sociais extremamente complexas”, acrescentou Davi.

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